quinta-feira, 27 de maio de 2010

ESCREVER, PARA QUÊ?

Comecemos pelo começo.

No começo era o Verbo, ou seja, a palavra. E é por causa disto que os hebreus, até os dias de hoje, continuam divinizando a palavra, porque identificam Deus, no ofício religioso, com Hashem que literalmente significa o Nome, ou seja, Deus dá nome a todas as coisas, ele é o nome de tudo. “Boruch Hashem” equivale a “Bendito seja Deus”. E, assim sendo, escrever é ato que mais nos aproxima do Deus. Emitir palavras numa certa ordem é criar uma nova ordem, é sair do caos, é retomar cada vez a eterna canção, e, assim, manter sob o sopro divino o universo de tudo aquilo que nos cerca.

Para mim, desde cedo, tem sido essencial o ato tríplice de ler e meditar e escrever, interpretando aquilo que foi lido e meditado. E deve ser por isso que povos antigos como os egípcios, cumulavam de um valor altamente dignificante a classe dos escribas, e o povo hebreu está presente nos movimentos de toda a trajetória do mundo, desde o Gênesis até o Apocalipse, sendo cognominado por muitos como o “Povo do Livro”. A palavra escrita é uma lei inexorável e precisa ser mantida a qualquer custo. A Constituição, que os povos organizados adotam, é a continuação da antiga Torá dos hebreus.

Devido à função essencial da palavra na criação e recriação de tudo, é que ela não se restringe a uma função referencial em relação aos objetos, mas ela transcende a qualquer utilitarismo da linguagem.

A palavra existe para inaugurar um mundo e arquitetá-lo em forma de Poesia, e não meramente para referir o dia, a hora, a temperatura.

Ao entrar na cozinha, me deparo com ela, e tenho em mim as palavras para designar que “ela está redondinha, de avental colorido, cortando tiras de batata enquanto o horizonte respira levemente azulado”. Através destas palavras criei um mundo de amor, mundo palpitante de seres que se amam, muito além de uma cena estática com os seus utensílios domésticos.

Parafraseando Jung, que nos diz:

“Quem olha para fora, brinca.

Quem olha para dentro, desespera”

a minha dedução é que, na realidade cotidiana, muitas vezes nós fingimos que estamos olhando para dentro. Quando este falar consigo mesmo, que se poderia chamar de “meditação”, deveria ser uma operação muito mais séria e prolongada, com o que ela não nos desesperaria mais.

E vai retornando aquela pergunta que não quer calar: - Escrever, mas para quê, mesmo?

- Para me distrair?

- Para ser bem sucedido em escala social e intelectual?

- Entrar para a História da Literatura?

- Resolver todos os problemas da Mãe-Pátria?

- Para me sentir mais-eu?

- Como um jeito único e só meu de falar com Deus?

Afinal o que se ganha neste comércio irrisório de se trocar a si mesmo por palavras?

segunda-feira, 24 de maio de 2010

ESCREVER BEM

A propósito, hoje assinalei, durante uma conversa, com bastante ênfase, olha que coisa mais linda, os artigos produzidos na última revista PIAUÍ. O simples fato de a revista ser bem grandona te dá uma impressão de que estamos sendo levados nas ondas de um mar de sabedoria, graça e amor à linguagem, e mais, que a percepção do mundo nos cerca por todos os lados, é avassaladora a impressão.

Artigos como A Dieta de Evo, onde se combinam sociologia, dietética e humor; o diário de uma repórter que aproveita para aprender o tango em Buenos Aires, se tornando uma verdadeira história natural do tango argentino; e o artigo Ser mendigo em Ipanema, começa com os antecedentes de jovens rebeldes e o Pasquim na década de Sessenta, chegando à fama do bairro e o seu desenvolvimento, até desembocar nos mendigos de hoje. E assim vai, coisas para ler que não acabam mais.

Finalmente um veículo adequado para tudo, inclusive os anúncios de Concertos Musicais da Cultura Artística. Papel mais encorpado que o habitual, propaganda só esparsa. E aquele seriado pré-eleitoral: Por que Dilma, Por que Serra, Por que Marina, que riqueza de informações, de ilustrações coloridas, verdadeira salada fílmica, melhor do que qualquer pesquisa numérica!

A mim me impressiona muito bem quando posso encontrar uma linguagem de escrita equilibrada, bem articulada nos sons e nas idéias. Lembra em muito a antiga revista SENHOR, que, segundo eu creio, fazia parte daquela época desenvolvimentista de Juscelino.

Penso até que o Século XX brasileiro retomou a efervescência dos tempos modernos de países desenvolvidos como a Inglaterra, por exemplo. E urgentemente o Século XXI precisa, para o bem deste país e de sua população, readquirir o hábito de escrever bem. Não seria nenhum luxo erudito nem excesso de babados ornamentais. Até pelo contrário.

Precisamos escrever bem para maior clareza daquilo que pensamos e expressamos. Escrever bem é transmitir as coisas que pretendemos dizer de modo a sermos mais bem entendidos. E de forma ampla, em todos os campos.

No futebol, por exemplo, haveria muito menos brigas se torcedores, diretores, técnicos e jogadores procurassem uma linguagem mais clara para promover o entendimento.

sábado, 22 de maio de 2010

A CULPA É DO GOVERNO

Ontem eu e a Silvia assistimos a um debate sobre Política. Um dos debatedores, Contardo Caligaris, comentou o ditado muito comum entre a população de que “a culpa é do Governo”. Chegou-se à conclusão de que sempre é mais fácil atribuir a outrem as nossas culpas, aliviando assim o peso da responsabilidade que recai sobre as nossas costas. Na realidade, só eu posso conhecer a mim mesmo e só eu posso tomar decisões e levar à prática as minhas decisões. E até podemos estabelecer uma condição, de que se cada um cuidasse da sua parte não haveria Governo ruim; parece uma coisa acaciana mas nem por isso deixa de ser uma verdade.

Fiquei também compreendendo, através de Caligaris, que o Nazismo, e o seu ato principal de cometer o maior genocídio da História só foi possível porque, pela preguiça de pensar, as pessoas adotam, e adotam cegamente, os lemas racistas, fanáticos e mais absurdos que se possa imaginar, de um ditador megalomaníaco.

Segundo Luc-Ferry, que falou no bloco seguinte, nós temos tendência de voltar ao Passado, pela nostalgia, e também de confiarmos nas utopias, pela esperança de dias melhores para o Futuro, enquanto que só o AMOR pode resolver AGORA os nossos problemas, e que entre as outras instâncias na busca da felicidade, temos a Filosofia que muito tem se perdido em abstrações, e a Religião que nos tem levado inúmeras vezes ao fanatismo e às guerras religiosas.

Depois, em casa, minha esposa encareceu a necessidade de se apelar, por nossa parte e de muitos mais indivíduos, que os governos e os candidatos a governantes deixem de valorizar tanto Suas Majestades o Petróleo e a Energia Nuclear, e partam decididamente para a obtenção e o desenvolvimento de formas de energia mais limpas.

Eu, por minha vez, insisti, após ter lido na revista Piauí um artigo sobre Ipanema, no Rio de Janeiro, que esse bairro tornou-se tão interessante rico e multicolorido, comparável talvez a Manhattan e a Montparnasse, em grande parte devido ao movimento da Bossa Nova e à cultura do Pasquim, que projetaram Ipanema e trouxeram não só turistas como moradores e investidores do mundo inteiro. Tudo isto só aconteceu por causa de um movimento cultural do porte da Bossa Nova, e da iniciativa de grandes poetas-músicos como Tom e Vinicius. Daí a importância das lutas culturais e artísticas que desenvolvem as aptidões dos indivíduos e ainda promovem o prazer da Cultura que pode perfeitamente substituir a tragédia das guerras.

Nós, escritores, jornalistas e artistas, precisamos nos arregimentar para uma Política Cultural que apóie os VALORES legítimos e não só, como tem acontecido até agora, o Consumo, e consumo dirigido, de livros, filmes e discos.

Isaac Starosta

terça-feira, 18 de maio de 2010

amor ao porto

AMOR AO PORTO

Tenho o prazer de apresentar a vocês um poema do meu livro “Amor ao Porto”, publicado já faz um tempo, em Porto Alegre, pela Secretaria Municipal de Cultura/Fumproarte .

O livro contém textos poéticos com assuntos atuais e outros que são reminiscências da cidade um pouco mais antiga, tais como Praça do Portão, Carros Antigos, Chafariz da Praça da Harmonia, Bar Liliput, o Fenomenal Mario Quintana, Praça da Redenção, PortoAlegre Via Outono, Amor Urbano etc.

Os textos são ilustrados pelas fotos de recantos da cidade feitas pela minha filha fotógrafa, Márian Starosta. Ela prometeu fotografar o meu coração de pai para ver se aparece na foto a minha paixão por ela.

Aliás Luiz Fernando Veríssimo, que dispensa maiores apresentações, disse sobre este meu livro:

“A Poesia do lugar...

“A melhor maneira de resgatar um lugar é pela poesia, essa forma rara de prospecção. É o que o Starosta faz. Desencava a Porto Alegre que ficou sob as camadas do tempo e a revela como era quando suas ruas tinham nomes bonitos. Também nos leva junto numa arqueologia pessoal e recupera um lugar mágico chamado de ‘nosso tempo’ o nome que damos à nossa juventude. É, eu também me lembro do hidrolitol.

“Você pode visitar o passado sem poesia e talvez até faça um levantamento mais preciso do que foi perdido. Mas só com a poesia recuperará não apenas um tempo, mas seu sentimento, aquilo que ficava invisível e indizível entre as coisas. Enfim, só com poesia chegará à poesia.

“O Starosta descobriu vestígios de outra civilização.”

O livro “Amor ao Porto” pode ser encontrado nas Livrarias Cultura, ou pelo site www.livrariacultura.com.br.

Boa leitura

AMOR URBANO

De Isaac Starosta

Num túnel te beijei

te sonhei mais alta

que o arco-íris

O sol no rosto

um susto um solavanco

a cada sinaleira

Publicamos nosso amor

no alto de um anúncio

de sabonete

Uma balada pelo ar

nos mantém em algum lugar

à sombra do edifício

Nossos corações secando

no fio de náilon

da área de serviço

E o amor que a gente liga desliga

liga desliga como se fosse um

aparelho eletrodoméstico

sábado, 15 de maio de 2010

E S C A D A

MISTÉRIO DA ESCADA

Isaac Starosta

Num lugar anterior deste blog publiquei Escada Rolante, poema onde eu, inclusive, pedi a preferência do leitor ou pelo poema antigo ou pelo recente, os dois com o mesmo título.

Hoje lembro que quando decidi publicar Escada Rolante neste blog, minha esposa, Silvia, manifestou preferência, e que eu devia logo publicar, um outro poema da mesma época e que também falava em escada.

Agora, pois, resgatando minha dívida com Silvia, publico hoje, com grande prazer o poema que ela considera o mais expressivo e intenso dos meus poemas que usam o tema da “escada”.


ESCADA


De Isaac Starosta


(Para Silvia)





A escada me projeta

pelos degraus

que alteiam e consomem.

Velha escada.

Onde os teus

patamares?

Onde um descanso

para tantos desejos

e quedas súbitas?

Num degrau sentado,

penso deter

a procissão dos séculos.

Entre o negror,

os passos apressados

de tantas vidas!

Descendo às origens.

Escada.

Subindo ao nada.

Escada.

Onde estou?

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O CIÚME de Isaac Starosta

O CIÚME

O Ocidente está marcado por grandes obras dedicadas a Sua Majestade o Ciúme. De imediato eu lembro três: o Édipo, Otelo e Dom Casmurro, um clássico grego, outro renascentista e o último do realismo brasileiro. As épocas passam e o ciúme permanece. Quando eu me condoía tanto de Desdêmona, por ser vítima de Otelo, protótipo dos grandes ciumentos, eu pensava mais num cenário teatral ou operístico dentro de uma moldura histórica, mas hoje sei que o ciúme pode acometer a mãe, o amigo ou o vizinho de qualquer um de nós. E o ciúme, como tudo, só se for demais é prejudicial, quando brando pode até nos tornar mais atentos no trato com a pessoa amada.

Gosto das formas breves de literatura, daí eu me socorrer, para entender o ciúme, aos livros de aforismos, provérbios, pequenas boutades que dizem às vezes mais do que os longos desenvolvimentos conceptuais. Antigos e raros alfarrábios (ainda se usa esta palavra?) vivem comigo há bastante tempo, tais como “Biblia da Vida”, de Moraes Leal, livro português de começos do século XX, do qual aproveitei idéias tiradas de múltiplos autores, com estas:

“Os ciúmes de um namorado são uma homenagem, os de um marido são um insulto” (Carmen Sylva)

Assim sendo, senhores maridos, abstenham-se de demonstrar os ciúmes de vocês , mesmo porque omitir os sentimentos, embora pareça difícil, é algo que a gente vai aprendendo com o tempo!

“O ciumento não é já o amante que ama, mas o proprietário que se encoleriza” (Stahl).

Aliás, esta acepção de “proprietário” tem muito a ver com a antiga condição machista de que a mulher é uma propriedade do homem que a sustenta.

“O ciúme não provém do amor que se sente, mas daquele que se pretende inspirar” (Bellegaarigue).

E outra citação magistral, que poderia até matar o assunto:

“Há no ciúme mais amor-próprio do que amor” (La Roche-Foucauld)

De um livro de pensamentos de Schopenhauer, em francês (Ed Felix Alcan, 1885) traduzo :

“Os amantes são traidores que, perpetuando a vida, perpetuam a dor”.

E, dentro desse sentimento doloroso vivenciado pelo ciumento, estaria uma concepção trágica sobre o amor! Pois o ciumento, na impossibilidade de amar, transforma o seu amor em ódio, usando o ciúme como álibi.

Aliás, do extraordinário livro “Millôr Definitivo” gostaria de mencionar uma idéia semelhante à anterior:

“O ciúme é o álibi de quem não ama”.

E é na Arte que aparece o verdadeiro retrato do ciúme que, vivenciado como algo misterioso, sub-reptício, e que, permanecendo submerso poderia desembocar na violência, porém, revelado por ela, Arte, passa a ser devidamente conscientizado pelas pessoas.

Dos dicionários sempre se aprende alguma coisa. Para Houaiss, ciúme é “Sentimento causado pelo receio de perder o afeto de alguém para outrem”. Para a Academia Brasileira de Letras, seria “Sentimento penoso causado pela pretensão real ou suposta de outrem em relação à pessoa de que se quer o amor exclusivo”. E do antigo Dicionário Etimológico de Antenor Nascentes, fico sabendo que a palavra ciúme provém de “cio”. Donde se infere que este amor exclusivo que se pretende, visa eliminar outros concorrentes, isolando assim alguém que está no cio para nos garantir a descendência.

Noto que existe, paralelamente, em quase todas as citações que eu fiz, um elemento comum: o ciúme é um medo de perder, de se frustrar e que traduz mais orgulho e sentimento de posse do que amor.

domingo, 9 de maio de 2010

VIDA DE CASADOS

VIDA DE CASADOS //Equações do Amor//Problemas do Amor

Hoje, Dia das Mães, faço uma homenagem à Dona Rosa, minha falecida mãe, que Deus a tenha e guarde lá onde ela estiver agora, publicando algumas anotações tendo como foco principal a vida de casados, que nunca é demais falar sobre assunto tão básico.

BRESLAV

O Rabino Nachman de Breslav dizia que contar estórias é um remédio, não para a falta de sono, mas que, pelo contrário, tem o poder de despertar as pessoas de sua sonolência.

CABALÍSTICA

Antigamente eu ficava muitíssimo incomodado quando um vizinho não me cumprimentava, ou uma tia não me dava nenhum presente no dia do meu aniversário, ou quando minha mãe ralhava comigo por qualquer coisinha.

Hoje sei bem o quanto as relações são tênues entre as pessoas, e que o mais saudável é a gente não se apegar demais a quem quer que seja.

Todos têm seus limites. A pessoa melhor pode piorar e a pior pode melhorar, dependendo dos embates que as desafiem, e da vontade férrea de vencer de que estejam animadas.

Vamos adotar um olhar ensolarado e, ao mesmo tempo, sereno para a vida.

Tenho certeza de que cada um de nós pode manter uma visão equilibrada, nem tanto ao mar nem tanto à terra, sobre o valor das pessoas e das coisas.

E não convém desesperar, porque, segundo uma lição cabalística que aprendi desde a infância, quando a noite atinge o máximo de escuridão é porque já está para amanhecer.

:

CASAMENTO

O casamento ou relação, como agora querem chamar, independe de beleza, gosto, atração sexual ou condição financeira.

A única coisa que pode conferir firmeza ao casamento, ou a uma relação, é o clima de entendimento entre as duas partes. Ou seja:

- Dize-me como é que vocês se falam e te direi se tu és feliz com o teu par.

CHAMAR ATENÇÃO

Muitos maridos e esposas costumam chamar atenção um do outro para isto e aquilo outro.

Mas quantos e quantas saberão pensar, que seja um minuto, antes de chamar a atenção do outro?! Como se a consideração de questiúnculas, como o comprimento das unhas, a cor do cabelo ou a hora de dormir, pudesse tornar alguém mais feliz. .

CHAPÉU

Botar e tirar o chapéu da cabeça não é nada, pode-se dizer que até uma criança pequena o faz.

Eu quero ver é alguém botar e depois ter de tirar as más idéias da cabeça!

COMER DEMAIS

Minha mãe sempre esbravejava comigo:

- Não come demais, Isaac, pra quê comer tanto desse jeito, vai te fazer mal, que coisa, uma criança desobedecer assim!

Pobre mamãe! Como ela se preocupava com os filhos!

Hoje, depois das comilanças de uma vida inteira (e para mim “comilança” só existia em termos de frutas cozidas, bolachinhas plétzales, bolos de mel oneg leikach, tudo feito em casa, no que minha mãe Rosa era grande mestra cozinheira como manda o figurino), eu me dou liberdade de pensar assim:

- Não, minha gente, não existe comer demais, existe a ansiedade que nos impulsiona e depois a culpa pela euforia exacerbada.

- O que faz mal não é a comida; é a culpa.

CÔNJUGE

Não te gabes do que vais fazer amanhã, se não sabes como estará teu cônjuge (esposo ou esposa) no dia de amanhã.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

ESCADA ROLANTE

MINHA ESCADA ROLANTE

Tenho, já faz muito tempo, a intenção de escrever poema sobre a escada rolante, não tanto sobre o que esta é, mas sobre o que parece ser. E um poema das aparências, isto é, sensorial, torna-se mais difícil de escrever.

Por insólito que fosse o tema, no meu primeiro livro, de edição já esgotada e que se chama Poemas ao Portador, eu incluí minha tentativa de poema que se chama precisamente Escada Rolante.

Agora, nos últimos meses, resolvi quebrar o poema em pedaços e depois soldá-los como se pudessem operar uma solda autógena. Imaginem, pois, que a gente pegasse um Chevrolet Opala ano 1970 e o refundisse com um Toyota de última geração. Poderá dar certo?

Aí é que entra a vantagem da Poesia sobre as Artes Industriais. É que na Arte Poética a gente sempre pode desmontar e retrabalhar o mesmo produto, enquanto que na Indústria é meio impossível desmontar para depois fazer outra coisa, ou seja, transformar as mesmas peças.em outra coisa.

Voltando a folhear Poemas ao Portador, sempre considerei Escada Rolante um bom poema, e deixá-lo como está, por não ter em que mudá-lo, tem sido uma conclusão imediata.

Porém só hoje eu sei que a minha ponta de descontentamento, é por eu não ter trabalhado suficientemente o poema, ainda faltava lubrificar e apertar aqui e ali os parafusos. Só hoje sei que eu começava e realizava cada poema em minutos, parece que era Deus quem botava os poemas e os chocava por mim. Às vezes os poemas-minuto davam certo, porém outras vezes ficava faltando alguma coisa. Por isso é que eu constato: geralmente a facilidade dá mais erros do que acertos.

Espero ter encontrado uma forma, se não definitiva, quase.

ESCADA ROLANTE ( Versão nova, de 2010 )

De Isaac Starosta

A escada rolante

Sobe ou desce

Em vôo rasante

Trenó da alegria

Parece que todos

Ganharam na Loteria

Desfilam canções

Elisabetanas

Ingênuas

Brincando de roda

Tropicam de repente

Num patamar provisório

E a esteira de aço

Prossegue em órbita

Sem nenhum cansaço

ESCADA ROLANTE ( Versão antiga, de 1972

A escada rolante

subindo e descendo

seu destino desde

a eternidade.

Dado instante

ficamos num patamar.

entregues, provisórios.

A esteira de aço

prossegue em órbita

solene

pelo espaço.

Sobe-desce a viagem

que sonhamos

desde a eternidade:

sem nenhum cansaço

P.S. Eu gostaria muito que alguém, ou alguéns, comentasse(m) se o meu poema novo, de 2010, melhorou, ficou na mesma, ou piorou em comparação com a versão antiga.

Obrigado pelas considerações a respeito.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

EMOLDURANDO QUADROS

EMOLDURANDO QUADROS

Meu tio mais velho, padrinho primeiro e único, vai ter em breve um retrato emoldurado na parede da sala de estar lá de casa. Se hoje fosse vivo, teria uns cento e alguns anos de vida.

Outra moldura, que vou pendurar numa parede do quarto é o auto-retrato a bico de pena do meu melhor amigo de jovem, que cedo partiu para Israel e nem sei se ainda vive. Apesar do saudosismo, eu hoje estou alegre. Até que soa bem emoldurar épocas inteiras do Passado. Parece que todo mundo continua vivo e para sempre. Assim tudo ganha em cores e expressões.

Em parte me desagradou a senhora da casa das molduras, que ficou uma hora discutindo a cor e a forma do passe-partout, quando o que eu mais queria era uma moldura de época que me devolvesse as piadas do papagaio, os bondes amarelos e os bailes com orquestra de jazz-band.

Dos meus tios, já não me resta quase nenhum. Quanto aos primos, nem sempre algum se volta na rua para cumprimentar o outro. Resulta que um dos primos mora em frente ao meu edifício e mesmo assim a gente quase não se vê.

Uma das primas, que uma vez viajou comigo para conhecer a Argentina, foi morar em São Paulo e nunca mais voltou.

O problema, porém, não é tanto de distância geográfica, porque diversos primos estão morando a poucos minutos de mim, e, assim mesmo, nada. Pois a distância não é geográfica, é anímica. A culpa é do pragmatismo atual de nosso viver sem conviver.

O que tem decaído muito, nos últimos tempos, é o hábito de “fazer visitas”

Visita para quê, se não se ganha nada com isso!?

É por esses tais motivos que eu digo: - a família não só cresceu e se multiplicou, como se espalhou e dividiu demais também.

domingo, 2 de maio de 2010

NAMOROS COM A MORTE

Hoje, domingo, o meu time, Grêmio Futebol Porto Alegrense, vai decidir com o Inter o campeonato gaúcho. E logo, depois do café da manhã, eu, não tendo muito em que pensar, lembrei-me de reler poemas do meu livro de estréia, Poemas ao Portador, já há várias décadas de distância. Fiquei contente porque vejo, em pleno livro de estréia, alguns poemas que se sustentam até hoje. Os da morte, por exemplo. Ao mesmo tempo, fiquei triste por estar oferecendo as minhas mortes passadas e bobas aos meus leitores presentes e inteligentes. Mas que farsa foi essa que aconteceu a um jovem, naquele tempo mal entrado na casa dos trinta, subitamente preocupar-se com a morte!

E que direito tenho de transmitir aos leitores tal preocupação?

Lembro que naquela idade, pouco mais de adolescente, a morte nos proporcionava, durante as nossas turbulências e ansiedades vitais, uma certa sensação de repouso, de paz, pelo convívio com as coisas inertes, misteriosas, provindas de algum baú do sótão da nossa infância.

Hoje, também, quando a idade está avançando, e isto eu percebo já de algum tempo para cá, quando a idade nos torna mais próximos do fim, aí então é que nos ocorre, surpreendentemente, uma intensa vontade de viver, de conhecer, de fazer aquelas coisas que antes não dava nem tempo de fazer. Sim, só por aí a morte já se justificaria, já teria uma função essencial para a continuação da vida...

Vamos a um dos poemas que fazem parte do capítulo Namoros Com a Morte do meu livro de estréia. Confesso que estranho um pouco o meu estilo de então, que correspondia a um estado de espírito do jovem que pega a morte pelo braço e reclama, sai daí Dona Morte, sei que a senhora está lépida, imponente, muito bem vestida, mas me arreganhando os dentes, me exigindo e desafiando para o terrível combate, mas me faça um favor, esqueça de mim, vê se me deixa curtir esta bobeira de vida por mais um bom tempo!

ENCONTROS COM A MORTE (I)

De Isaac Starosta

Sei que vou morrer;

Ninguém quer saber.

Meus primos ricos,

minhas marlenes,

o patrão que sempre

evitei,

perguntarão,

fingindo curiosidade,

pela minha causa mortis.

Direi, antecipadamente,

Que a vida é um cigarro

a mais ou a menos

que a gente fuma

ou esquece de fumar,

que a boca existe,

Deus existe,

a cinza existe

antes nunca ou enquanto

me antecipo a não sei o que mais.

As paredes lisas, os vestidos verdes,

o verde milharal ao vento.

as lesmas meio-dia na avenida.

Ó nuvens resignadas,

eterno flui vosso perfil ao vento!

enquanto eu sou duro, exato,

sou feito de aço, e apodreço!

Fim

(- Querem que eu volte outro dia com a Morte, ou preferem que eu dê um refresco?)

sábado, 1 de maio de 2010

APRENDENDO A VIVER

Gostaria de testar através deste blog uma série de escritos, de minha autoria, que muito têm me ajudado, e, espero, que possam ajudar aos outros também. São anotações de pensamentos, breves, quase sábios por assim dizer, sobre os mais variados assuntos. Diria sábios se fossem definitivos no sentido de insuperáveis, o que não é minha intenção, pois até mesmo a Torá (Pentateuco) que é o Livro dos Livros, tem sido comentada, interpretada e reavaliada através dos tempos. Em ordem alfabética, penso, poderiam compor um verdadeiro dicionário de idéias, onde se possa buscar, não a verdade das verdades, porém, mais propriamente, uma tentativa definitória, com a função de medir a abrangência e impor maior verossimilhança àquelas palavras que têm se tornado comuns no vocabulário de todos os dias.

São pensamentos avulsos e que anoto a qualquer hora ou lugar onde eu esteja, numa lista de supermercado, numa agenda ou numa cadernetinha de bolso. Meu propósito é que sejam do gosto dos leitores.

De qualquer modo, o hábito das anotações já me induz a pensar e repensar os eternos problemas, o que acaba por nos dar uma direção aos pensamentos, e muita satisfação, pois tudo aquilo que pensamos e anotamos resulta das experiências mais marcantes de quem está sempre aprendendo a viver.

AMOR – O problema do amor não está no amor mas naquilo que atribuímos ao amor. A gente imagina excessivamente a beleza, os gestos, as qualidades miríficas e munificentes do ser amado, tanto que, na hora da realização, esta não chega nem perto daquela felicidade que se imaginava alcançar. Depois a gente vai se desamando, vai se desintoxicando aos poucos, para corrigir a dose exagerada de ilusão que ingeriu.

CONSELHOS - Quando adolescentes, tivemos o privilégio de escutar, o tempo todo, os conselhos dos mais velhos. Mas apesar disso tudo, o melhor mesmo para o tremendo orgulho de um adolescente é fingir que não está escutando os. mais velhos E vejam só que belo diálogo ilustra aquilo que estou dizendo:

- É melhor você pegar um sobretudo.

- Mas para que so-bre-tudo?

- É porque está frio.

- Uai, você pode gostar de sobretudo, mas eu prefiro mil vezes me cobrir com o “sobre-nada”.

- Credo, meu filho, assim vais pegar um resfriado...

- Prefiro me resfriar do que dar lucro aos fabricantes de sobretudos!

DOENÇA (1)– A doença não colhe somente o corpo de suas vítimas. E a maior e melhor proposta que se pode fazer a um doente, estou certo disso, é que ele procure descobrir, onde está e como deve ser usado, o seu verdadeiro alimento espiritual.

DOENÇA (2) – A maior doença que existe é a gente ficar o tempo todo pensando se está ou não está doente.

MÚSICA – Não serve para nada. Mas ajuda.

AVISO AOS INCRÉUS – O maior gênio da música brasileira não era judeu nem brasileiro; era um judeu-húngaro-brasileiro chamado Jacó do Bandolim.

INSATISFAÇÃO – Nasci insatisfeito. Vivo insatisfeito. Vou morrer insatisfeito!

Quem me ouve ou lê pensa que estou agourando, ou delirando. Mas não.

Se sabemos que a insatisfação existe normalmente, que é um fato constatado, em qualquer direção que se olhe, então posso propor que a gente não se assuste mais com ela.

Insatisfação simplesmente é tudo, ou até mais do que tudo.

Pela insatisfação, quero comer, amar, viver.

Por causa da “insatisfação” é que abro de manhã o jornal, e depois ainda procuro abrir os livros que mais me abrem o cérebro.

Por insatisfação procuramos amar o corpo, a alma, e o vento incerto, ou, numa palavra, o Infinito.

Por último, ou por primeiro, num dia de insatisfação o meu pai estremeceu o mundo e me produziu a existência!