quinta-feira, 27 de maio de 2010

ESCREVER, PARA QUÊ?

Comecemos pelo começo.

No começo era o Verbo, ou seja, a palavra. E é por causa disto que os hebreus, até os dias de hoje, continuam divinizando a palavra, porque identificam Deus, no ofício religioso, com Hashem que literalmente significa o Nome, ou seja, Deus dá nome a todas as coisas, ele é o nome de tudo. “Boruch Hashem” equivale a “Bendito seja Deus”. E, assim sendo, escrever é ato que mais nos aproxima do Deus. Emitir palavras numa certa ordem é criar uma nova ordem, é sair do caos, é retomar cada vez a eterna canção, e, assim, manter sob o sopro divino o universo de tudo aquilo que nos cerca.

Para mim, desde cedo, tem sido essencial o ato tríplice de ler e meditar e escrever, interpretando aquilo que foi lido e meditado. E deve ser por isso que povos antigos como os egípcios, cumulavam de um valor altamente dignificante a classe dos escribas, e o povo hebreu está presente nos movimentos de toda a trajetória do mundo, desde o Gênesis até o Apocalipse, sendo cognominado por muitos como o “Povo do Livro”. A palavra escrita é uma lei inexorável e precisa ser mantida a qualquer custo. A Constituição, que os povos organizados adotam, é a continuação da antiga Torá dos hebreus.

Devido à função essencial da palavra na criação e recriação de tudo, é que ela não se restringe a uma função referencial em relação aos objetos, mas ela transcende a qualquer utilitarismo da linguagem.

A palavra existe para inaugurar um mundo e arquitetá-lo em forma de Poesia, e não meramente para referir o dia, a hora, a temperatura.

Ao entrar na cozinha, me deparo com ela, e tenho em mim as palavras para designar que “ela está redondinha, de avental colorido, cortando tiras de batata enquanto o horizonte respira levemente azulado”. Através destas palavras criei um mundo de amor, mundo palpitante de seres que se amam, muito além de uma cena estática com os seus utensílios domésticos.

Parafraseando Jung, que nos diz:

“Quem olha para fora, brinca.

Quem olha para dentro, desespera”

a minha dedução é que, na realidade cotidiana, muitas vezes nós fingimos que estamos olhando para dentro. Quando este falar consigo mesmo, que se poderia chamar de “meditação”, deveria ser uma operação muito mais séria e prolongada, com o que ela não nos desesperaria mais.

E vai retornando aquela pergunta que não quer calar: - Escrever, mas para quê, mesmo?

- Para me distrair?

- Para ser bem sucedido em escala social e intelectual?

- Entrar para a História da Literatura?

- Resolver todos os problemas da Mãe-Pátria?

- Para me sentir mais-eu?

- Como um jeito único e só meu de falar com Deus?

Afinal o que se ganha neste comércio irrisório de se trocar a si mesmo por palavras?

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