domingo, 20 de junho de 2010

GREMISMO


Vamos prosseguir em ritmo de autobiografia.

(Para o texto que vem agora, confesso que pensei inicialmente no título GREMIOMANIA, mas como este nomeia uma série de lojas de material esportivo, optei pela denominação pouco gramatical de “gremismo” para acertar na mesma mania).

Não é de hoje.

A minha ligação com o Grêmio Porto Alegrense é umbilical, existe praticamente desde o dia em que nasci.

A paixão pelo futebol me levou a jogar nas calçadas e nos terrenos baldios, me intrometer nas peladas dos marmanjos; mas logo notei que eu entrava estabanado, que não ia conseguir me organizar, eu me passava da bola, ou chegava tarde no lance, sem me afinar com as ações dos outros e com a velocidade da bola. Ao correr atrás, em vez de disputar frente a frente as jogadas, eu só sabia gritar, gritar, e transmitir o jogo como um locutor esportivo: fulano passa para sicrano, vai chutar, perdeu o gol com a goleira aberta! A minha devoção pelo Grêmio me fazia transmitir o jogo nomeando os meninos assim: Ramon Castro para Ramoncito, este para Beresi, Beresi perde a bola, então vem Clovis Touguinha (o centromédio) pela retaguarda e salva quando o goleiro Julio já está vencido. Ou seja, batizei os meninos do meu time com os nomes de jogadores titulares do Grêmio, como se estivessem disputando uma partida oficial!

Sempre me aconteceu sofrer, e às vezes me alegrar, por um gremismo inveterado.

Meu filho mais velho, Amilcar, estava com o Grêmio, sempre me acompanhando a qualquer jogo no Estádio Olímpico, situado no bairro da Azenha. Naquele tempo éramos pobres e eu precisava de muita economia e sacrifícios diversos para manter em dia os cartões de sócios meu e do filho, e assim éramos assíduos aos dois campeonatos, o gaúcho e o nacional.

Ao vir a campo tínhamos já preparados os nossos gritos de guerra:

- Aperta que ele geme!

- Bola pro mato que é jogo de campeonato!

- Dá-lhe Grêmio, dá-lhe Grêmio, nós somos campeões!

E tudo criava força, era mais divertido.quando nós, ali no meio do povão, nas arquibancadas descobertas, apanhávamos frio, chuva, papel pegando fogo e saraivadas de foguetes, como convinha ao rigoroso inverno gaúcho.

Primeiro me acompanhava o Amilcar, depois o Xande, os dois de tez morena, e meu filho mais alourado, o Mauricio, gostava de ir ao futebol mais para comer pipocas e cachorro quente. O gremismo militante de Maurício não era o futebol, mas um pianismo, que o levava a tocar piano o dia inteiro e freqüentar todas as apresentações de pianistas, ele mesmo também fazia, sempre que possível, seus recitais.No caso eu e o Xande até criticávamos que os pianistas não querem se misturar com a plebe rude.

E com a minha filha, Márian, a coisa ficava até cômica, ela sentada, ao meu lado, comendo sorvete, lendo uma revista, e de vez em quando virava para mim querendo saber, pai, para que lado o Grêmio está chutando? Quem fez o gol? E por que todo mundo está chamando o juiz de Filho da...?

E até hoje, por mais que eu queira evitar, toda a vez que o Grêmio perde eu entro em pânico, Até pensei que, pela idade, a gente se impressiona menos com certas coisas, mas, no caso do Grêmio me parece que estou ficando mais emotivo ainda, com latejamento insuportável na cabeça e na boca do estômago. Angústia profunda.

Nessas horas eu não como. Não durmo. Só falo sem parar. E quando eu desacato a arbitragem, a Diretoria do Clube e os jogadores, aí vem o Xande bronquear comigo, como que me culpando por eu tê-lo feito ser gremista, e se queixar amargamente da direção do grêmio:

- Estes cartolas do Grêmio não são de nada. Em vez de contratar um Pelé para reforçar o time, contratam um jogadorzinho qualquer...

- E se não puderem contratar, o que vais fazer?

- Ora, muito simples, vou detonar o meu cartão de sócio!

Mas nunca detonou. Pois aquele emblema do Imortal Tricolor sempre vai resistir a todas as detonações possíveis.

Ainda falta contar o caso de Ângela, minha colega da época em que eu estudava violino na Universidade. Nessa mesma época ia acontecer a decisão da Taça Libertadores da América pela primeira vez na história dentro do Estádio Olímpico. Imagina que honra para o Rio Grande do Sul. Era o ano de 1983, se eu estiver enganado alguém me corrija, por favor... Mas qualquer que fosse a data, mais importante é que era o evento de maior expressão de toda a História do meu clube. Pois o Inter, arqui-rival de meu clube, tinha até beliscado, nos anos 70, o tão cobiçado título, mas ainda estava longe de alcançar.

Agora, vinha a decisão do título sul-americano e era entre o Grêmio e o Penharol de Montevidéo, em plena Porto Alegre, naquele estádio da Azenha que nós todos tão bem conhecíamos. Era uma quarta-feira à noite, pelo menos é o que me parece.

Mas o chato foi que coincidiu a hora do jogo com a de uma prova de Violino que eu teria de fazer na Universidade. Aí pedi à minha colega Ângela para avisar ao Professor que por um motivo de força maior eu não poderia comparecer.

- Que motivo de “força maior” é este que você está alegando?

- Imagina, cara colega, se eu vou faltar ao jogo de decisão da Libertadores a acontecer pela primeira vez na História dentro do Estádio Olímpico Tricolor!

Eu tinha certeza que ela iria me responder, porque era uma pessoa boazinha e simpática, “sim, Isaac, eu te compreendo muito bem”. Mas que nada, ela ficou o máximo de furiosa, como eu nunca tinha visto antes acontecer com ela:

- Tu, Isaac, que sempre foste ótimo no violino, colega prestativo e indispensável a todos nós, agora, assim, de repente, só por causa do futebol, vais botar tudo a perder?!

- Só por causa do futebol! – arreganhei os dentes e soltei uma risada monumental. Pois achei que era muito risível alguém querendo me convencer que o violino é superior ao esporte mais popular que existe.

E ainda pedi a ela, em nome do nosso amor à música:

- Vou pedir que tu não contes a ninguém a razão de eu ter faltado à prova, porque amanhã ou depois, quando eu encontrar o Professor, vou dizer a ele que eu estive doente.

- Doente sim, ela insistiu, com a voz muito queixosa, o futebol deve ter te deixado completamente doente para você fazer isso.

- Completamente com doente, até rimou, eu brinquei com ela, para desanuviar o ambiente.

Acabei logo me afastando do Curso de Violino. Afinal, eu não me tornaria um profissional. Tocava de vez em quando só pelo prazer de tocar, então para quê estudar tanto, cansar os meus braços para conquistar mais um diploma no meu currículo de amador de todas as artes?!

.- Mas você precisa - Ângela me corrigia - continuar desenvolvendo uma técnica para poder tocar melhor.

- Também - eu justificava - conheço gente que desenvolveu grande técnica mas nem por isto conseguiu se tornar um Paganini.

E festejei:

- A Libertadores é nossa! Com o Tricolor não há quem possa!

Desinibido, me juntei aos torcedores, e fomos comemorar o título sul-americano em plena Rua da Praia.

- Até a pé nós iremos, para o que der e vier, mas o certo é que nós estaremos com o Grêmio onde o Grêmio estiver!

Depois daquele ano de glórias, nós gremistas passaríamos muitos e muitos anos sem grandes títulos a comemorar.

Assim nós nos temos recolhido à nossa mediocridade de time periférico.

Mas o que fazer? Um dia é da caça, e dez anos são do caçador!

Por que eu não resolvi torcer para o Palmeiras de tantas glórias, ou para o São Paulo, que também é um tricolor?! Para o Flamengo não, nunca na vida, pois ele é colorado igual ao Inter. Ou quem sabe torcer pelo Santos de Pelé?

Mas, pensando bem, para quê eu ia deixar o Grêmio se ele chegou a ser melhor do que uma prova da Universidade, melhor do que o Inter, melhor do que as intrigas e os fuxicos de casa e do Escritório?!

O Grêmio derrubava qualquer veleidade cotidiana de quem quer mais sucesso pessoal, divulgação, dinheiro. fama. O Grêmio era todas essas coisa e muito mais ainda se a gente saísse de fronte erguida carregando por toda parte o pavilhão tricolor!

Depois, a gente via o Paulo Santana agitando pra lá e pra cá a bandeirinha do Grêmio, na televisão.

Pode ser até ingenuidade querer a um time de futebol, dar corpo e alma, dar tudo de bom por ele, assim como também é ingenuidade querer ser campeão em economia, finanças, e recordista em transições de imóveis!

Os senhores aí que me desculpem, mas o futebol é a coisa mais móvel que existe!

Um comentário:

  1. Dá-lhe Grêmio!.....
    A paixão pelo Grêmio é imortal, jamais existirá algo que se iguale a isto.
    Gostei muito do seu texto, porém, faltou você escrever sobre os acontecimentos curiosos durante as partidas de futebol, como aquela vez que a esposa do Paulo Nunes quase nos bateu porque a gente estava falando mal dele...hehehe
    Ou então as suas entrevistas entusiasmadas com o repórter Farid Germano Filho.
    Torcer para o Grêmio é algo tão significativo quanto o nosso sentimento judaico.
    Xandi.

    ResponderExcluir